As violações ao direito à água no Iêmen

por Victória Cristine Ramos 

Revisado por Elaine Silva da Luz, coordenadora de comunicação e redação da ANAPRI

Recentemente falamos em nosso blog sobre a questão da água enquanto um direito humano. Contudo, algumas regiões do mundo sofrem com uma grave escassez de água, que é agravada por conflitos internos. O Iêmen é um exemplo disso. O país vive uma grave crise humanitária que vem se arrastando há vários anos. De forma bastante resumida e superficial, os conflitos se iniciaram em meados de 2014, e tiveram sua gênese a partir da Primavera Árabe, que tinha como intuito trazer reformas políticas e sociais ao país. Porém, o que ocorreu foi uma enorme instabilidade econômica, estrutural e política, que resultou nos acontecimentos atuais. 

Como resultado, os rebeldes Houthis, de origem xiita, passaram a controlar o norte do país, enquanto o governo ficou na região de Aden (CNN, 2023). Estima-se que mais de 20 milhões de pessoas necessitem de ajuda humanitária, tendo em vista que o colapso da economia colocou milhares de indivíduos em situação de pobreza e sem serviços básicos (OCHOA, 2022). Neste momento, além das questões anteriormente citadas, o país também está lidando com a escassez de água.

A falta de recursos hídricos no Iêmen sempre foi um tópico levantado por grupos locais e organizações humanitárias. O país tem a menor disponibilidade de água per capita em razão das condições climáticas secas da região. Os conflitos atuais agravaram ainda mais o problema, em razão da destruição dos já escassos meios de distribuição hídrica. Cerca de 80% da população têm problemas para acessar alimentos, serviços de saúde e também água potável e saneamento básico (OCHOA, 2O22). Esse cenário favorece o surgimento de questões de saúde, como foi evidenciado pelo surto de cólera que assolou o país entre 2016 e 2017.

Em algumas regiões do país, como a província de Taizz, o controle da pouca água existente passou a ser uma peça central no conflito. Essa localidade é dividida entre as forças armadas dos Houthis, e pelas forças do governo iemenita. Embora houvesse um esforço para oferecer água de qualidade à população, diversas vezes durante os oitos anos de conflito as forças armadas e o governo violaram o direito à água dos residentes da província (Human Rights Watch, 2023). Vários reservatórios, instalações e serviços anteriormente utilizados acabaram sendo danificados durante os embates e, hoje, apenas cerca de 20% dos poços de abastecimento de água em Taizz ainda estão em funcionamento (Human Rights Watch, 2023). 

A divisão do controle da província, também, significa a divisão das bacias hidrográficas. Das cinco bacias que abastecem a região estão sob controle dos Houthis, ou então na linha de frente do conflito, os que as tornam inacessíveis ao governo. A partir disso, os rebeldes tornaram a água como uma ferramenta no combate, ao proibir que a água das bacias sob seu controle flua para a capital. Mesmo sabendo que a capital de Taizz em questão é a cidade que possui o maior número de residentes, eles também bloqueiam a entrada de carros pipa. No mais, existem acusações de que eles tenham colocado bombas ao redor de infraestruturas e instalações hídricas, para dificultar ainda mais o acesso à água (Human Rights Watch, 2023). 

Tendo em vista esse cenário, a população, que não possui tantos recursos econômicos, precisa desembolsar altas quantias em dinheiro para comprar água, ou precisam caminhar durante horas em locais perigosos para conseguirem um pouco desse recurso, ainda que não seja próprio para consumo. As mulheres e crianças são a parte mais vulnerável da população, pois, correm riscos de sofrerem violência sexual e de gênero ao se aventurarem em lugares perigosos em busca de água. Muitas crianças, inclusive, faltam à escola para tentar obter água para suas famílias (Human Rights Watch, 2023). 

Por meio do que foi exposto, percebe-se como a população, que nada fez para estar em meio a esse conflito, sofre nas mãos dos rebeldes e dos governantes. Os dois lados contribuem para a destruição de infraestruturas hídricas, sem que nada seja feito pela comunidade internacional. É preciso investigar os crimes internacionais que estão sendo cometidos na região, para que haja punições efetivas aos culpados e melhorias na qualidade de vida daqueles que ali vivem

REFERÊNCIAS

DAHAN Maha El. Quem são os Houthis do Iêmen e por que eles atacaram Israel?. CNN, 2023. Disponível em: https://www.cnnbrasil.com.br/internacional/quem-sao-os-houthis-do-iemen-e-por-que-eles-atacaram-israel/. Acesso em: 3 jan. 2024.

Death is More Merciful Than This Life. Human Rights Watch, 2033. Disponível em: https://www.hrw.org/report/2023/12/11/death-more-merciful-life/houthi-and-yemeni-government-violations-right-water. Acesso em: 3 jan. 2024.

Humanitarian Needs Overview: YEMEN. United Nations Office for the Coordination of Humanitarian Affairs (OCHA), 2022. Disponível em: https://www.unocha.org/attachments/c328e656-ebbf-4e15-baec-5805c093b6b0/Yemen_HNO_2023_final.pdf. Acesso em: 3 jan. 2024.